Mas é esta minha vida. Cá por estas terras, o ritmo da existência sempre acompanhou o estilo da vida, calma e pacata, sem termos ao menos tempo ou motivo de questionar os caminhos que tomamos e por que tomamos. Na verdade, nada importa muito além das plantações e os animais, que é de onde nos sustentamos.
Foi num domingo chuvoso e sem graça — apesar que sem graça serem todos os dias — que chegou Mariana. Vó disse que era uma prima distante, por parte de pai, lá da cidade grande, que vinha passar uns tempos no meio do mato. Perguntei quanto tempo, mas vó não soube responder; disse só que ela precisava descansar e que não era pra ficar incomodando, que era pra deixá-la bem a vontade, que ela comeria se quisesse e quando quisesse, dormiria se quisesse e quando quisesse. Em outras palavras, vó falou pra fazer de conta que ela não existia, mas cá pra mim, não dava pra fazer de conta que Mariana não existia. Ela era estranhamente instigante, provocadora… quase bonita. Tinha os cabelos pretos, meio cacheados, a pele branca feito leite, uns olhos quase cinzas de tão azuis, mas com um olhar parado no ar, meio que sem vida, morto mesmo. O osso do nariz era um pouco saliente, não o bastante para deformá-lo, mas era notável, e suas bochechas rosadas pareciam feitas para combinar com os lábios finos, também rosados, as orelhas escondidas sob os cabelos davam a impressão de serem ligeiramente pontudas, o pescoço delicado, os ombros largos, os peitos empinados e bem separados pelo seio, com os bicos querendo furar a camiseta transparente, a barriguinha um pouco saltada pra fora da calça, o colo profundo, quase denunciando seu sexo, as coxas roliças, mas a bunda não era muito voluptuosa… É claro que esta foi apenas uma primeira impressão, sem muitos detalhes, mas por aí se pode perceber que ela não era de uma beleza exuberante, mas tinha um algo que não sei o quê que atraía, hipnotizava. Realmente não dava pra não notar Mariana. Mas tinha outra coisa que talvez seja fundamental para entender meus sentimentos: o braço de Mariana… ou melhor, o antebraço. O antebraço esquerdo era coisa que Mariana não tinha, pelo menos não inteiro. Acabava pouco abaixo do cotovelo, um cotó, enrugadinho e com um buraquinho na ponta, formando uma espécie de umbigo. Como era estranha Mariana! Mais tarde, vó disse que ela veio pro mato a pedido de um médico, um tal de dr. psiquiatra, dizia vó. Não lembro o nome completo do médico, mas sei que era médico de cabeça, aqueles que a gente vai pra cuidar das idéias que não vão lá muito bem.
Os dias passam, independente de querermos ou não, embora eu nunca tivesse pensado nisso, nesse negócio de o tempo passar, de não dar tempo de a gente fazer as coisas que a gente quer, mas depois que Mariana chegou, passei a ter outra relação com o tempo, meio amigo e meio inimigo, quando ele para ou passa, respectivamente, e venho pensando nisso toda noite, toda noite eu conto o tempo, os dias, as horas que Mariana já passou aqui, como se fosse uma haste com bolinhas que eu fosse empurrando de um lado para o outro, conforme o desejo de o tempo passar ou não, e queria que passasse à noite, para logo ver Mariana pela manhã, e durante o dia queria que ele parasse, ou ao menos se arrastasse, lentamente, para que passasse mais tempo com Mariana, embora não passasse com ela exatamente, mas podia ouví-la andar, vê-la nas refeições, respirar o mesmo ar que ela respirava. Talvez pensasse assim com medo que chegasse o dia de Mariana ir embora.
Vó disse que a estranheza de Mariana é por causa do braço que perdeu. Foi num acidente de carro. O noivo morreu, Mariana perdeu um pedaço do braço e do coração também. É o que dizia vó, e realmente fazia sentido, aquela estranheza toda não poderia ser por outra coisa, a não ser que a cidade grande fosse muito, mas muito diferente da vida daqui. Que seja um pouco, mas nem tanto pra deixar uma pessoa assim, parecendo louca.
Já se passaram duas semanas que Mariana chegou e nem ao menos uma palavra saiu de sua boca. Todos os dias tomamos o café da manhã juntos — a pedido de mãe, que não quer que ela se sinta muito só — e nestas horas, quando Mariana ainda veste pijama, é que posso admirar toda sua sensualidade, suas coxas entreabertas, o cheiro da manhã ainda exalando dos seus poros, o rosto levemente amassado pelo travesseiro, os pés descalços… ah! os pés descalços de Mariana eram os pés mais lindos que já vira. Nada comparados aos meus, ou aos de mãe e de vó, ou das galinhas, não. Os pés de Mariana eram pés verdadeiros! Os dedos todos certinhos, em fileirinha, pela ordem certa de tamanho! O peito do pé perfeitinho, rosadinho e rechonchudo. mas em matéria de peito, Mariana tinha outros mais bonitos. Os peitos de Mariana, pela manhã, pareciam que também tinham acabado de se levantar, independentes, ainda mais empinadinhos, os bicos pareciam furiosos tal a maneira que forçavam o tecido para fora. E as calçolas do pijama de Mariana, um pouco transparentes, querendo revelar algo mais profundo, mas na verdade só conseguiam revelar que Mariana dormia só de calçolas, sem calcinhas, aquela manchinha negra em seu ventre, parecendo uma almofadinha, as nádegas magrinhas… como era bom ver Mariana pela manhã! E foi num dia desses que Mariana falou, pela primeira vez:
– Como te chamam?
– … ããã… Mário.
– Mariana.
– Eu sei.
– Quantos anos tem?
– 27
– 23
Não foi muito, mas entendi isto como uma aproximação, uma tentativa de romper um silêncio interior profundo e áspero, tornando Mariana, aos poucos, mais… comunicativa, mais… aberta… esta é a palavra certa, ao menos em relação a mim.
Este relacionamento — creio que posso chamar de relacionamento, já que só comigo ela conversava — iniciado entre Mariana e eu me encheu de coragem e ousadia, tanta que me atrevi a espiar Mariana enquanto se banhava. Não sei como fui capaz, acho que foi um impulso, uma inexplicável atração… tesão, sim foi isso mesmo, que se eu parasse para pensar nas conseqüências que teria de enfrentar se fosse apanhado certamente não me arriscaria. Para minha sorte eu não parei para pensar, e pude ver o corpo de Mariana, agora ao natural, a pele branca, mais branca ainda nas partes que ficavam escondidas pela roupa, os bicos das mamas bem rosados, a bunda, apesar de não ser arrebitada, era bem feitinha, magrinha, de uma branquidão pura e inocente até, as pernas lisas também muito brancas, os pêlos de Mariana… como era peluda! Muito mais que eu. Embora envolvido nesta atmosfera de sensualidade, não pude deixar de reparar a dificuldade de Mariana em se banhar, com um braço só, que o outro não se conta, no muito conta como meio, fazendo com que ela se sentasse no chão para melhor poder lavar os pés — os lindos pés de Mariana — com as pernas abertas, o pé direito sobre a coxa esquerda, depois o pé esquerdo sobre a coxa direita… foi quando Mariana se levantou que me viu, na janela do banheiro, com cara de tacho. Só o que fiz foi correr. Mariana nem gritou. Assustei muito mais do que ela. Só escutei ela perguntando o que eu estava fazendo ali, só que a essa altura eu já estava bem longe, bem pra lá do riacho, só pensando pra onde é que eu ia fugir, não de medo não, mas de vergonha… vergonha de olhar para Mariana novamente. Com que cara?
Hoje as horas passaram muito mais rápidas que nos outros dias. Tenho a impressão que fazem apenas alguns minutos que tudo aquilo aconteceu, e no entanto, já é noite. Tenho que voltar para casa e enfrentar os fatos. Mãe já deve ter mandado Mariana embora e está me esperando, ela mais vó, com um daqueles sermões que deixa a gente três dias sem dormir direito. Mas que valeu a pena, valeu! Fazer o quê? Isso não me preocupa. Mas se Mariana não estiver mais lá… acho que não vou mais conseguir viver se Mariana não estiver mais lá.
Volto caminhando com o coração na mão, querendo me culpar e ao mesmo tempo delirando de prazer pela imagem de Mariana estampada na memória. Avisto a casa ao fundo, luzes apagadas, silêncio, não sei exatamente as horas, mas já devem ter jantado. Conforme me aproximo, sinto meu coração bater mais alto, e mais alto, querendo acordar todo mundo e me denunciar, maldito delator, te cala!
Adentro a casa primeiro com o olhar, mas preciso de um tempo para me acostumar com a escuridão de dentro da casa, bem mais densa que a escuridão de fora, iluminada pela lua. Aos poucos percebo algo na mesa… meu jantar. agora sou eu que entro, na ponta dos pés, à flor da alma, passo pela cozinha, o corredor enorme que conduz aos quartos… o de Mariana à esquerda, se é que ela ainda está lá, o de mãe à direita, quase em frente ao de Mariana, o de vó à esquerda, ao lado do de Mariana, e o meu, à direita, ao lado do de vó. Parece não ter fim este corredor, minha porta não chega, a de vó está esticando, ficando mais larga, quanto mais eu ando mais ela alarga, e se eu correr… ufa, meu quarto!
Deve fazer uns quarenta minutos que deitei, mas não consigo adormecer. É só lembrança, lembrança e mais lembrança, de Mariana chegando, de Mariana andando, de Mariana despertando, de Mariana tomando o café, de Mariana almoçando, de Mariana respirando, de Mariana dormindo, de Mariana…
… toc, toc
– Que.. quem é?
Mariana entra rapidamente e, sem dizer nada, senta-se ao meu lado na cama. Me sentei.
– Ouvi você chegar
– O-olha, desculpe pelo que acontec…
– Shhhiu! Ou vai acordar alguém
– …
Mariana enfiou a mão por dentro da minha camisa, alisou meu peito meio desprovido de pelos e me empurrou para que eu deitasse novamente. Ela ainda cheirava a banho, parecia ainda estar molhada, ou já estar molhada, não sei. Passou a perna sobre meu corpo e sentou-se sobre minha barriga. Primeiro segurei-lhe as coxas, depois passei a alisá-las. Eu quis gemer mas Mariana não deixou, enfiou quase que a mão toda na minha boca, e ficou mexendo na minha língua, passando os dedos freneticamente ao redor dela. Com o outro braço, ou melhor, com o cotó, alisava meu peito, e se mexia em cima de mim, não mais em cima da barriga, mas sobre meu sexo, e eu podia sentir todo o calor de Mariana, sua elevada temperatura, seu desejo, meu desejo, emaranhados em princípios de líquidos lubrificantes que já começavam a aflorar.
Meio que desajeitadamente, sem querer parar nenhum dos flertes, tirei a calçola do pijama de Mariana com uma das mãos, enquanto a outra explorava seus peitos, depois a camisa, e Mariana estava nua, em flor. Dei um jeito de arrancar minha camisa, quando arrancava o calção fiquei com o cotó de Mariana bem na minha cara. Dei um beijo, e outro, Mariana afastou assustada e estremeceu. Beijei-lhe os olhos, o nariz, a boca, o pescoço, a nuca, as costas, o lombo, as nádegas, as coxas, o joelho, as coxas, o ventre, o umbigo, os seios, os peitos, os mamilos, e podia sentir Mariana cada vez mais relaxada, mais solta, mais entregue… beijei as axilas, o ombro, o braço, o cotovelo, o cotó… quando beijei o cotozinho de Mariana pude sentir o choque que seu corpo levou, um choque que não poderia dizer se era de tesão ou de repulsa. Beijei novamente, novo choque, só que agora ficara claro que o choque não era de repulsa, mas de aceitação, de prazer, desejo, desconhecido e delicioso. Pus-me a beijar o cotó de Mariana, primeiro suavemente, contornando suas ruguinhas com a língua, mordicando a ponta do cotó, forçando um pouquinho o buraquinho do umbigo do cotó de Mariana… e Mariana foi se abrindo, se entregando, delirando em pré-gozos, como se experimentando uma sensação única, nunca antes conhecida, e esta atmosfera foi me contagiando, aquele pedaço de braço, aquele prazer inteiro, membro instigante que parecia me olhar e pedir que eu o devorasse, e eu fui me entregando, freneticamente, quase engolindo aquele meio membro, perfurando-o com minha língua, arranhando-o com meus dentes, quando, de repente, Mariana me empurrou e se afastou. Ficou me olhando, ofegante, ainda delirando de desejo, eu também ainda louco, ela pegou no meu sexo, massageou, e foi chegando mais perto, mais perto do cotozinho, mais perto, e colocou lá, no cotó, e forçou, mas não queria entrar, e gritou, e forçou de novo, e gritou mais, mistura de prazer e dor, também gritei, não sei se de dor ou de prazer, ambos doem, e ela forçou, e forçou mais, e forçou mais, e o sangue já manchava o lençol, o rubro excitava mais ainda, e eu ajudei a a forçar, e forçamos, juntos, esforços dobrados e redobrados, e forçamos mais, num vai e vem frenético e já conhecido, que virgem não éramos, só que era diferente este vai e vem, eu não fazia com galinhas ou cabras, embora já conhecesse mulher, uma vez só, mas conhecia, só que conhecia do jeito certo, nos lugares certos, ou que diziam ser certo, nos dois, frente e trás, três até, que a boca também pra isso serve, mas Mariana era diferente, tinha ainda outro lugar além dos conhecidos, e forçamos mais, e forçamos novamente, um quase entra e sai avermelhado, alucinado, vivo, e forçamos, e gozamos, numa mistura de sangue e sêmen e prazer e dor, tudo sendo uma coisa só.
Dia seguinte, não sei bem a que horas, mas não era janta ainda. Levantei convencido que Mariana era a mulher da minha vida, que eu devia contar pra mãe e pra vó o que tinha acontecido e que nós iríamos nos casar. Perguntei por Mariana, vó disse que ela tinha partido ontem, antes do jantar, que me deixou lembranças. Não pode ser antes do jantar, nos deitamos na madrugada… ou eu sonhara?
Meio confuso entre sonho e realidade, saí para espairecer… passei pelo pomar, junto à árvore o facão… as galinhas ciscando com seus dois pés, as cabras e as vacas pastando com suas quatro patas… e a saudade de Mariana…