“O que você procura já está aqui.
Pare de procurar fora o que já está dentro.”

Ashtavakra Gita 1.1

Entre um contrato e outro, Eduardo gosta de passar o tempo no seu pequeno quarto-escritório, lendo notícias, ouvindo programas de rádio, escrevendo anotações dispersas, e, por vezes, arranhando a guitarra, já que o quarto-escritório também é um estúdio improvisado.

Nas pausas musicais, ele gosta de empunhar a guitarra e apreciá-la, por um tempo, antes de conferir a afinação – por vezes, afinar requer a precisão de um relojoeiro, ainda mais se as cordas forem ou muito novas, ou muito velhas. Pode não ser uma grande coisa para tantos músicos profissionais, mais acostumados, um gesto quase mecânico, como apertar os cadarços antes de uma caminhada. Para Eduardo, é um ritual, e requer esforço e dedicação. Desde que a banda se dissolveu, ele não se juntou a nenhuma outra, por preguiça ou conveniência, não sabe dizer. Hoje em dia compõe suas próprias canções no computador.

Quando o tecladista da sua antiga banda lhe mandou duas canções que ele estava produzindo para um amigo, dizendo que “se tiver um tempinho e as canções te tocarem, faça um solo para elas…”, Eduardo pensou: por que não? Trinta segundos de solo aqui e ali, pode ser divertido.

Fechou os olhos e deixou a música lhe envolver. O vazio instrumental era como uma clareira na floresta que precisava do canto de um pássaro para completar a paisagem — a necessidade de um solo era evidente. Frases musicais para preencher o silêncio dos outros, ele gosta de pensar.

A primeira gravação ficou pronta em cinco tentativas. Eduardo ouviu o resultado: imperfeito, com algumas notas fora do lugar, mas com uma honestidade que talvez fosse o que a música precisava. Na segunda, a mesma coisa, em três tentativas. “Uma pegada de gravação ao vivo”, pensou!

Enviou os arquivos, e no dia seguinte, a resposta: “Ed, you’re a ledge, and I realise that a mash up of those two words is Edge! Coincidence? I don’t think so!” Eduardo sorriu discretamente, como quem recebe um elogio por uma roupa bem escolhida, e agradeceu. No fundo, não achou nada de extraordinário.

Claro, haverá sempre quem diga que ele é um desperdício de talento! Mas Eduardo pensa que não há desperdício em fazer apenas o que gosta, e na medida em que lhe agrada. Conhece a história de músicos de estúdio que dispararam em carreiras brilhantes! Jimmy Page, que antes de brilhar no Led Zeppelin, gravava jingles anônimos em estúdios londrinos; e Pat Metheny, que dava aulas de guitarra e tocava como músico de aluguel para sobreviver, antes de virar referência ao jazz contemporâneo. Histórias que amigos músicos contam com reverência, como parábolas de um evangelho artístico, mas para ele, não há ambição de palcos iluminados ou reconhecimento. Seja a sua Fender Stratocaster japonesa, sua Gibson Les Paul Standard, Sunburst, um xodó… são apenas instrumentos temporários, como antes foi a sua calculadora financeira, ou a sua máquina de escrever – quem diria que um dia seriam obsoletas?

As ambições de Eduardo passam ao largo da vida, como navios distantes vistos da praia. Ele os observa, reconhece sua grandeza, mas não sente necessidade de embarcar. A música é mais uma das coisas que faz, sem alarde, como cozinhar, escrever ou ir ao cinema.

Amanhã será outro dia, mais um solo, quem sabe. Ou talvez um email com a proposta de um novo contrato. Apenas mais um capítulo dessa sucessão de pequenos prazeres e obrigações que Eduardo chama de vida.

E enquanto isso, a guitarra descansa encostada na parede, sem glamour, sem reverência, sem drama. Como ele, esperando apenas o próximo momento em que será útil, seja para tocar, seja para cortar a grama do jardim, ou assinar um novo contrato. Sem aspirar a nada além do que já é.