Maria acordou naquela manhã de domingo com o som do rádio do vizinho tocando “Construção”, de Chico Buarque. Enquanto preparava o café, sua mente divagava entre o desejo de ajudar na reforma da igreja e a tentação de comprar aquele vestido vermelho que vira na vitrine da loja.
Saiu apressada, o salto alto estalando no asfalto ainda úmido da chuva da noite. Na esquina, quase atropelou um vira-lata sarnento. Estaciona o carro, e caminhando para a missa, passa em frente ao cassino clandestino, e por um instante imaginou-se apostando todas as suas economias na roleta. Vermelho 27. Era o vestido vermelho novamente dançando na sua frente!
Chegando à igreja, o Padre Antônio já falava sobre caridade. Maria sorriu para os fiéis ao seu redor, envergonhada pelo atraso, mas por dentro ainda tinha tempo para sentir inveja de Dona Eulália, que exibia um colar de pérolas gigantes, recém-adquirido. Fofocas à parte, uns dizem ser presente do amante.
Durante a missa, Maria estava distante, distraída, pensando no vestido vermelho, e como ela ficaria sensual dentro dele. Para não dar nas vistas, abriu a Bíblia aleatoriamente… Mateus 6:21, “Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.”
O resto do domingo passou praticamente em branco, como geralmente são todos os domingos. Depois do almoço, o marido de Maria descansa no sofá, as crianças se entretêm com video-games. Maria lava a louça e arruma a casa. Com Mateus 6:21 ainda trovoando em sua cabeça, deixa uma lágrimas escorrer pelo canto do olho, enquanto confusa, tenta murmurar uma oração, que enquanto pede perdão também pede o número da sorte para o próximo jogo do bicho… “Quem sabe ganho e deixo tudo isso para trás”, pensou, se recriminando imediatamente.
À noite na cama, Maria reflete sobre seu dia quando ouve uma discussão no apartamento ao lado. Reconheceu a voz embriagada do vizinho, que gritava com alguém ao telefone. Suas mãos escorregam entre as pernas e se contorceram em desejos perversos… imaginou-se apanhando do vizinho, tomando tapas violentos na cara, enquanto ela, submissa, lhe chupava o membro. Maria goza intensamente enquanto o marido ressoa.
Maria adormece, exausta, sonhando com anjos e demônios vestindo vermelho, dançando uma ciranda hipnotizante, ao som da voz rouca de Chico que ecoava no apartamento do vizinho, pano de fundo para a gritaria: “Amou daquela vez como se fosse a última…”
Ao amanhecer, havia uma mensagem do Padre Antônio no celular: “Reunião amanhã para discutir a reforma do orfanato. Sua presença é fundamental.” Pula da ama determinada. Parece que era só isso que Maria precisava para encontrar novamente o caminho da benção. Pegou o envelope com as economias e saiu, sem olhar para trás.
O sino da igreja tocava, chamando os fiéis para a primeira missa. Hesitou por um momento entre a porta da igreja e a porta da loja, que ainda exibia o vestido vermelho na vitrine. “Deus há de me perdoar”, pensou, e determinada entra na igreja, dirige-se ao Padre Antônio e cochicha-lhe algo ao pé do ouvido. Padre Antônio solta um suspiro resignado, enquanto Maria caminha de volta, firme em cada passo dessa sua jornada eternamente dividida entre o sagrado e o profano, a virtude e o pecado, a fé e a dúvida; entra na loja, abraça o vestido vermelho, e deixa o envelope com as economias sobre o balcão.
A semana passa rápido quando a rotina da casa nos consome, pensa Maria, ao acordar naquela manhã de domingo. Tinha a mente cansada e o coração inquieto; o som dos filhos brincando na sala e o cheiro do café que o marido preparava na cozinha só aumentavam sua angústia. Enquanto se arrumava para a missa, seu olhar pousou no espelho, revelando uma mulher que mal reconhecia. Passou os dedos pelo crucifixo que pendia em seu pescoço, um presente de casamento. “Ave Maria cheia de graça…”, sussurrou, mas as palavras soaram vazias, pois o desejo que ardia em sua alma não era por Deus, nem pelo marido, mas por algo dito proibido, perigoso e irresistível… Veste o vestido vermelho. Empodera-se. Desliza os dedos mais para baixo do crucifixo, e acaricia os bicos dos seios por alguns segundos; aperta-o suavemente, mas antes de embarcar em fantasias se retrai, assustada.
Já na igreja, o sermão do Padre Antônio, numa dessas coincidências inexplicáveis, era sobre fidelidade e compromisso. Soava como uma acusação direta, fazendo Maria se remexer no banco, desconfortável, imaginando que todos a olhavam em reprovação, como se soubessem dos pensamentos que a consumiam. Ao seu lado, o marido segurava sua mão, alheio ao tormento interior da esposa.
Após a missa, enquanto cumprimentava os conhecidos, seus olhos vagavam pela praça, desejando cada homem que passava. O jovem entregador de jornal, o senhor que vendia pipoca, até mesmo o sacristão de meia-idade – todos pareciam possibilidades tentadoras. “É só uma fase”, tentava se convencer, mas sabia que mentia para si mesma.
O desejo de ser infiel não era novo, crescia há meses, alimentado pela rotina sufocante de mãe e esposa exemplar, implacável, que não admite desvios. Essa moralidade exacerbada só fazia piorar as coisas, atiçando ainda mais a imaginação, que voava longe… longe… para ares cada vez mais depravados.
À noite, deitada ao lado do marido que ressonava profundamente, Maria sentia uma chama queimar por dentro, em uma ânsia por qualquer aventura, desde que depravada e proibida. Suas mãos, que horas antes haviam embalado os filhos para dormir, agora tocavam suas partes íntimas. Maria se contorcia no desejo de deitar com outro homem, qualquer um que não fosse seu marido.
Pegou o celular, os dedos pairando sobre o endereço salvo do site pornográfico que havia encontrado semanas atrás, mas ainda não tivera coragem de abrir. “Só uma olhadinha”, pensou, o coração acelerado. Seu dedo hesitou, fotos de homens nus, bonitos, super-dotados… e desconhecidos. Cada um despertando fantasias diferentes, cada qual uma fuga única dessa monotonia, densa e caudalosa, que a envolvia. Maria já não se importava em ser discreta, e ao lado do marido que dormia, gemia… gemia alto, em orgasmos profundos, imaginando-se em orgias monumentais, desenfreadas!
Depois de saciada, Maria fecha os olhos, respirando fundo. Fechou o site, com o peso da culpa que a consumia pelos desejos mundanos parcialmente realizados. Sabia que amava sua família, mas o desejo de ser infiel continuava ardendo em sua alma, e na noite seguinte, sabia que estaria lá novamente, esse desejo, agora fortalecido, gritando por atenção, exigindo ser verdadeiramente saciado.
“Deus, me ajude”, murmurou na escuridão, sem saber ao certo se queria ser salva ou se ansiava ainda mais pela queda. Embora dividida entre o pudor e a perversão, entre a virtude e o pecado, sentia-se livre para escolher, apesar do peso das possibilidades. “Somos prisioneiros de nossa própria liberdade”, lembrou, provavelmente de algum sermão do Padre Antônio. Compreendeu que a verdadeira liberdade não estava na ausência de limites, mas na coragem de fazer escolhas e aceitar suas consequências.
Certa de que a luta contra seus impulsos estava longe de terminar, e de que o amanhã traria novos desafios, novas tentações, temia não ter forças para resistir por muito mais tempo.
Adormece. E fantasia a quem finalmente se entregaria…