Romanian Woman in Red Dress ~ Felix Edouard Vallotton

“Vigiem e orem para que não caiam em tentação.
O espírito está pronto, mas a carne é fraca”

Mateus 26:41

Maria acordou naquela manhã de domingo com o som do rádio do vizinho tocando “Construção”, de Chico Buarque. Enquanto Chico cantarolava sobre um operário que caía no concreto, Maria também caía, toda manhã, em tentação. E dividia-se: metade dela sonhava com a reforma da igreja, metade desejava o vestido vermelho na vitrine da loja.

O cheiro do café tomava quase toda a casa, em espirais aromáticas, como incenso profano em um altar domesticado. Saiu apressada. Os saltos pontuavam sua pressa no asfalto molhado – toc, toc, toc – como um rosário de passos errantes. O vira-lata da esquina a olhou com olhos de confessor. Maria desviou. Estacionou o carro e caminhou para a missa, passou em frente ao cassino clandestino, e por um instante imaginou ganhando na roleta. Vermelho 27. E o vestido vermelho novamente, dançando na vitrine da loja!

Ao chegar à igreja, Maria sorri para os fiéis ao seu redor, envergonhada pelo atraso. O padre Antônio falava de caridade enquanto Maria contava as pérolas no pescoço de Dona Eulália. Uma. Duas. Três. Semelhantes a dados rolando na mesa do cassino. Qual contas de um terço incompleto. Feito gotas de suor escorrendo no pescoço do vizinho que gritava à noite.

Durante a missa, Maria estava distante, distraída, pensando no vestido vermelho, e como ficaria sensual dentro dele. Para não dar nas vistas, abriu a Bíblia aleatoriamente… Mateus 6:21, “Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará também o vosso coração.” A Bíblia abriu-se em Mateus, mas Maria leu pecados nas entrelinhas.

O domingo desfilou em sua frente como uma procissão de momentos desperdiçados: o marido no sofá, as crianças no video-game, ela na pia, no tanque, na vassoura… ela nos pensamentos, ela no vestido vermelho. Tentou murmurar uma oração que, ao mesmo que pede perdão, também pede o número da sorte para o próximo jogo do bicho… “Quem sabe ganho e deixo tudo isso para trás”, pensou, recriminando-se imediatamente.

De noite na cama, Maria refletiu sobre seu dia quando ouve uma discussão no apartamento ao lado. Reconheceu a voz embriagada do vizinho, que gritava com alguém ao telefone. Suas mãos escorregaram por entre suas pernas e Maria se contorceu em desejos mundanos… imaginou-se apanhando do vizinho, tomando tapas violentos na cara, enquanto ela, submissa, chupava-lhe o membro enrijecido. Maria gozou intensamente enquanto o marido ressoava.

Maria adormeceu, exausta. Os sonhos vieram em vermelho: anjos vestidos de demônios, demônios vestidos de padre, padres vestidos de vermelho, com vestidos ao invés de batinas, todos dançando uma ciranda infernal na voz chinfrim de Chico, que ainda cantava sobre o operário que amou daquela vez como se fosse a última.

Ao amanhecer, havia uma mensagem do Padre Antônio no celular: “Reunião amanhã para discutir a reforma do orfanato. Sua presença é fundamental.” Era um chamado à redenção! Maria pegou suas economias e saiu, carregando seu destino como uma cruz particular. O sino tocava, mas não era só a igreja que chamava. O vestido vermelho também tinha seu próprio sino, seu próprio canto de sereia.

Maria hesitou por um momento entre a porta da igreja e a porta da loja. “Deus há de me perdoar”, pensou. Determinada, entra na igreja, dirige-se ao Padre Antônio e cochicha-lhe algo ao pé do ouvido. Padre Antônio solta um suspiro resignado, enquanto Maria caminha pelo caminho da volta, firme em cada passo dessa sua jornada eternamente dividida, equilibrista na corda bamba entre o sagrado e o profano, a virtude e o pecado, a fé e a dúvida; Maria entra na loja e coloca o envelope com as economias sobre o balcão. Abraça o vestido vermelho. Parece cheirá-lo, afagá-lo, de tanto que o acaricia. Maria veste o vestido vermelho, enquanto o vestido vermelho a vestia de pecado e de redenção. Tudo ao mesmo tempo.