Monteitti, J. ~ Priest and a Woman
Maidstone Museum & Bentlif Art Gallery
“Porque, se viverdes segundo a carne, morrereis;
mas, se pelo Espírito mortificardes as obras do corpo, vivereis”
~Romanos 8:13
Durante sete dias e sete noites, a ausência de Maria pairou sobre a igreja como uma névoa densa que nem mesmo os sinos conseguiam dissipar. Padre Antônio, que havia contabilizado cada centavo das doações para a reforma da igreja numa tarde sufocante de segunda-feira, não encontrou nenhuma contribuição dela – um fato tão extraordinário quanto o dia em que choveu flores de laranjeira no adro da igreja. Maria, que desde os tempos de sua primeira comunhão nunca deixara de comparecer às missas dominicais, agora evitava até mesmo as ligações do pároco, que ecoavam sem resposta, como almas em busca de salvação.
“Ela pediu desculpas antecipadas”, murmurava o padre para si mesmo, enquanto caminhava pelos corredores vazios da igreja, onde as sombras dos santos pareciam alongar-se mais do que o normal, como se também sentissem a ausência daquela que, por vinte e três anos consecutivos, havia trocado as flores do altar todos os sábados. Os registros paroquiais, guardados em livros tão antigos que suas páginas tinham o cheiro das primeiras preces ali rezadas, mostravam que Maria jamais deixara de contribuir para qualquer obra de caridade – uma tradição que remontava à sua avó, e à avó de sua avó, numa linhagem de devoção que se perdia na memória do tempo.
Naquele vilarejo esquecido, onde o tempo se movia em círculos como as procissões de domingo, Padre Antônio descobriu que seus votos de castidade pesavam tanto quanto os sinos de bronze que badalavam há trezentos anos na torre da igreja. Era um homem que carregava em seus ombros não apenas a batina preta, mas também o legado de dezessete gerações de sacerdotes que haviam servido àquela mesma paróquia, todos eles assombrados por seus próprios demônios particulares que se manifestavam em forma de borboletas amarelas nos confessionários.
O retorno de Maria não foi anunciada por trombetas celestiais, mas por um vestido vermelho que parecia ter sido costurado com os últimos raios do sol poente. Era um vermelho tão profundo que as beatas juravam ter visto as rosas do altar da igreja sangrarem quando ela passou. O perfume que emanava de sua pele tinha o poder de fazer as velas da igreja dançarem, mesmo sem vento, um fenômeno que o sacristão anotava meticulosamente em um caderno gasto, junto com outros milagres inexplicáveis que aconteciam desde a fundação do vilarejo.
A partir deste dia, as noites de Padre Antônio transformaram-se em um purgatório particular, onde seus sonhos eram povoados por visões de Maria multiplicada em mil reflexos, cada um deles sorrindo com a mesma boca vermelha que o atormentava durante as missas. Seus gemidos de êxtase misturavam-se com as ladainhas que recitava automaticamente, enquanto as paredes de sua cela monástica exsudavam um líquido que os fiéis mais fervorosos acreditavam ser água benta, mas que tinha o gosto salgado das lágrimas.
Foi numa dessas noites de insônia febril que Padre Antônio encontrou refúgio num estabelecimento onde o pecado era servido em copos de cristal barato. Ali, entre prostitutas que carregavam em seus corpos mapas de cicatrizes antigas, ele descobriu que a santidade e o pecado eram apenas diferentes nomes para a mesma fome ancestral que consumia os homens desde que Eva mordeu a maçã no paraíso.
No domingo seguinte, quando subiu ao púlpito para pregar, suas palavras tinham o peso de quem havia atravessado o deserto e voltado com a língua coberta de areia. Maria estava lá, seu vestido vermelho agora uma fogueira descontrolada, na primeira fileira da igreja, o marido dela, como sempre, não viera, ocupado com suas intermináveis viagens de negócios que o levavam a lugares tão distantes que chegaram a dizer que ele já não existia mais, tendo se transformado em uma daquelas histórias que velhinhas contavam nas tardes de domingo.
Maria escolheu se confessar por último naquela tarde, quando o sol já pintava as paredes da igreja com tons de laranja e vermelho. No confessionário, seu perfume se misturava com o incenso de tal maneira que, anos depois, as beatas ainda jurariam que naquele dia específico, todas as imagens dos santos haviam virado o rosto para a mesma direção, como se também quisessem ouvir os sussurros que escapavam através da treliça de madeira.
“Padre”, sua voz era mais doce que o mel das velas votivas, “tenho pecado em pensamentos”. Suas palavras caíram no silêncio do confessionário como gotas de chuva em terra seca, e o Padre Antônio sentiu que cada uma delas carregava o peso de mil tentações. “Sonho com coisas que uma mulher casada não deveria sonhar”, continuou ela, e o ar dentro do confessionário ficou tão denso que as borboletas amarelas, que costumavam aparecer nos momentos de maior tentação, tiveram que pousar nas paredes de madeira para não sufocarem.
Quando Maria se levantou para sair, deixou cair propositalmente seu lenço de renda – um objeto que sua bisavó havia tecido com fios que, segundo a lenda, tinham sido abençoados por um santo peregrino. Padre Antônio o pegou, e ao devolvê-lo, seus dedos se encontraram. Naquele momento preciso, todos os relógios da igreja pararam, e o toque de dedos durou exatamente o tempo de três ave-marias. Um fenômeno que o sacristão registrou em seu caderno de milagres, com tinta vermelha.
Naquela igreja centenária onde gerações haviam confessado seus pecados, Padre Antônio e Maria começaram sua própria dança, um ritual tão antigo quanto o primeiro pecado. Ela passou a chegar mais cedo para as missas, sempre usando vestidos que pareciam ter sido costurados com a mesma matéria dos sonhos proibidos do padre. Ele, por sua vez, descobriu que suas homilias começavam invariavelmente a falar sobre o Cântico dos Cânticos, enquanto os santos de madeira nas paredes fingiam não ver, ocupados demais com suas próprias memórias de quando também haviam sido humanos.
Na sacristia, os paramentos sagrados começaram a exalar um perfume que lembrava o de Maria, e as hóstias guardadas no sacrário desenvolveram um gosto levemente adocicado que fazia os fiéis voltarem para comungar duas, três vezes, até que o bispo teve que ser chamado para investigar o que alguns já chamavam de milagre. Outros, mais atentos aos olhares trocados entre o padre e a devota, porém, referiam chamavam de heresia.