Era uma vez um homem chamado Antônio, não, melhor dizer que é agora mesmo, havia um homem chamado Antônio, neste instante em que as palavras deslizam pela página, há um homem chamado Antônio que vive em uma vila à beira-mar, onde o tempo parece ter parado de avançar em todas as esferas, menos no que diz respeito a idade das pessoas, onde o governo também deixava muito a desejar, dando a impressão de estar mais distante que as estrelas no céu, já que as estrelas no céu, ao menos, podiam ser vistas, causando assim a ilusão de estarem ao nosso alcance.

Os dias passam lentos demais, pensava Antônio, enquanto observava o vai e vem das ondas na areia da praia, parecendo estarem trazendo e levando segredos do oceano, e Antônio pensava que segredos seriam esses, e como conhecê-los, mas ondas respondiam com seu murmúrio constante, e Antônio não compreendia essa linguagem. Talvez porque os homens há muito deixaram de escutar a natureza, preferindo o ruído de máquinas e o tilintar de moedas.

Um dia, quem sabe amanhã ou daqui a mil anos, brincava Antônio. E como o tempo é relativo quando se trata de contos como este, o tal dia chegou, e naquele dia Antônio acordou com uma ideia fixa: ir atrás dos segredos que o mar esconde!

Prudente, anunciou à vila toda, que o olhou com uma mistura de admiração e desconfiança – endoidou! Mas quem somos nós para julgar as decisões alheias? Não dizem que as grandes descobertas da humanidade partiram de mentes insanas? Não sei se é verdade, pensou Antônio, mas isso não o deteve: vendeu tudo o que tinha, inclusive o relógio de pulso, presente da falecida esposa, mas que agora apenas marcava as horas que Antônio já não queria mais contar.

Comprou um barco velho, e equipamentos de mergulho mais velhos ainda, Isto é tudo o que preciso, disse para si mesmo, embora uma voz interior, que bem poderia ser a voz da razão, ou mesmo a voz do próprio mar, lhe sussurrasse que estava cometendo uma grande besteira… ignorou. Partiu pela manhã, um nevoeiro tão denso que parecia engolir o mundo, deixando para trás uma vida de certezas medíocres, em busca de incertezas grandiosas… Gostei, pensou.

Os dias no mar logo se transformaram em semanas, ou mesmo meses, já que o tempo no oceano segue uma lógica própria, diferente da lógica terrestre, mas afinal, quem estava contando? Não Antônio, que incansavelmente mergulhava e emergia, mergulhava e emergia, dia após semana, semana após meses, numa dança infinita com as águas que pareciam zombar de sua busca, Onde está o segredo, O que será o segredo, perguntava ele ao mar, que nada respondia. Quando eu o encontrar, saberei, profetizava.

Foi quando Antônio, já sem suprimentos havia algum tempo, viu algo brilhante no fundo do oceano. Não sabia mais contar o tempo, tampouco distinguia sonho de realidade, e tinha aquele cantar hipnotizante que não parava de soar em seus ouvidos, e parecia vir do fundo do mar, e aquele brilho intenso, O segredo tão almejado, o tesouro, convenceu-se, sem discernimento para considerar ser apenas uma ilusão.

Mergulhou. Desta vez mais fundo do que jamais havia mergulhado. A pressão esmagando seus pulmões, comprimindo sua sanidade, e o canto cada vez mais alto, chegando a atordoá-lo, e o brilho cada vez mais intenso, chegando a cegá-lo, Antônio se esforça para alcançar o objeto, estica-se, querendo encompridar-se, os olhos agora fechados devido ao brilho, tenta alcançar o brilho pela memória e não mais pela visão, mas quando sua mão sente o objeto entre os dedos, uma pancada no dorso o tira do rumo, seguido de uma forte dor nos dedos da mão que segurava o objeto. Antônio perder os sentidos.

Ao acordar, Antônio estava de volta à vila. Não sabia dizer quanto tempo tinha se passado, mas sabia que estava mais velho, mas não necessariamente se sentia mais sábio. Vizinhos e amigos o rodeavam no pequeno ambulatório da vila, um misto de pena e admiração em suas faces, sussurrando entre si um velho ditado que parecia ter sido criado especialmente para momentos como este, “Vão-se os anéis, ficam os dedos”, mas, ironia do destino, no caso de Antônio, foram-se os dedos, ficou o anel.