Untitled. Acrylic and mixed media on canvas, by Jean-Michel Basquiat, 1984

Até que escrevia bem, o filho-da-puta. Era convencido, sim, afinal ser badalado por todos aqueles formadores de opinião alheia – e todas aquelas merdas que escrevem e falam sem parar – acaba estufando o ego de qualquer um. Mas escrevia bem o filho-da-puta… só que escreveu demais. Escreveu o que não devia. Deu com a língua nos dentes – ou melhor, com a caneta na espiral do caderno, ou com o dedo no meio do “Q” e do “W”, já que seria muito improvável, no caso de uma máquina de escrever ou de um teclado de computador, que usasse uma configuração diferente da qwerty. Mas enfim… o cara pisou onde não devia: no meu calo!

Alguns até diriam que a culpa é minha, afinal, quem mandou me meter nessa merda de computador… e eu vou até concordar com isso – em partes, como diria meu amigo Jack, o estripador. Não fosse aquela vagabunda da namorada do Wandesilvo falar que eles ficam assistindo clipes de foda na internet, eu nunca teria nem chegado perto dessa merda. Não gosto e pronto. Mas de uma boa sacanagem, ainda mais vindo da Edileuza… ah se o Wandesilvo marca touca… eu traço ela sem vacilo nenhum!

Mas a parada não é essa. O papo é que estou chateado. O filho-da-puta do Wandesilvo era metido a escritor. Até aí tudo bem, eu nunca liguei pra essa merda… inclusive incentivei o filho-da-puta, afinal ele é – era – um amigão: “Legal, Wandesilvo… do caralho os teus contos”, mas nunca tinha lido nenhum! Melhor do que meter o pau sem ler, é elogiar sem ler… Sempre acreditei nisso!

Mas o filho-da-puta do Wandesilvo escrevia. E escrevia bem o filho-da-puta! Me dei conta de que escrevia bem quando procurava os tais dos clipes de sacanagem que a Edileuza havia comentado – com uma certa insinuação, até… vagabunda! Fui procurar por “Edileuza e Waldesilvo”, na esperança de achar algo dos dois em plena metelança… mas o que achei foi a porra de um sítio – ô nome esquisito! – onde o filho-da-puta do Waldesilvo escrevia… E como escrevia bem o filho-da-puta!

Escrevia bem, pois bem. Como não encontrei a vagabunda da Edileuza metendo com o filho-da-puta do Wandesilvo, me dei a ler as porras dos contos do Wandesilvo… e realmente escrevia bem o filho-da-puta! Mas escreveu demais… Não é que o filho-da-puta contou uma história igualzinha a um plano que eu tinha em mente? Como eu não sei, mas que o filho-da-puta contou igualzinho, tim-tim por tim-tim, contou. O lance do emprego na pastelaria ao lado do banco – onde eu já faço um bico há quatro meses, estudando o terreno – pra cavar o túnel até o cofre, o mapa do subterrâneo do banco – me custou uma fortuna e um presunto pra conseguir essa merda e o filho-da-puta do Wandesilvo colocou a porra da foto no sítio dele?!? Onde o filho-da-puta arrumou esta merda?

Eu senti que precisava fazer alguma coisa… me senti traído, na verdade! O filho-da-puta do Wandesilvo simplesmente desvendou o meu plano, e o pior é que no conto dele, o ladrão – eu, no caso – se dá mal! A polícia descobre a trama e vai direto no funcionário mais novo da pastelaria (confesso que não tinha pensado nesse pequeno detalhe…). Filho-da-puta do Wandesilvo!

Mas não é isso… o conto do Wandesilvo me fez ver que o plano na verdade era uma furada… só que a ira de ter sido descoberto assim, infantilmente, me fez matar o Wandesilvo… filho-da-puta! E a vagabunda da Edileuza ainda vem se insinuar pro meu lado, numas de “estou viúva”, querendo foder – literalmente – comigo… “Sinto muito nega, mas o meu tesão por você morreu com o Waldesilvo!

Desligo o celular e bato o meu cartão na 17a. do Ipiranga. Acabei matando a Edileuza também, só por precaução… filho-da-puta do Wandesilvo!