Tinha uns quadros que eu tentei preservar… Principalmente os que tinham barcos como tema. Eles me cativavam mais, não sei por quê… Mas não pude. A pressa da vida me impediu; tinham que sair de onde estavam, porque quem os guardava assim queria. E numa oportunidade qualquer, foram levados para longe… Ficaram ainda na família, por certo, mas… Família. Que unidade é esta, se alguma?
Minha mãe gostava de pintar, é só. E com dois filhos, difícil dividir-se por igual. Mas tentava. Tinha preferências? Talvez. Mas nunca ao ponto de prejudicar o suposto “não preferido”. Talvez não se possa dizer o mesmo de meu pai, cujas preferências são mais aparentes. Talvez não ao ponto de interferir ou influenciar uma criação, pudera, isso só se tornou aparente depois da morte de mãe, quando já éramos adultos formados, menos suscetíveis a rejeições amorosas. Ou não…
Sobre os quadros de navios, era aparente a preferência de todos: pai, mano, e eu. Todos queriam os quadros de barco. Talvez dissessem mais. Provavelmente dizem mais… Para todos os preferirem, só pode ser. Mas como não houve testamento, ninguém é dono de nada, e todos são donos de tudo. Aí é que realmente se conhece as pessoas. Seja quem seja… seja irmão, seja pai… fosse mãe? Acho que não.
Perdi os quadros para o irmão – ora, não se perde algo para o irmão, dirão. Conversa-se. Sim, conversa-se quando há espaço para conversa… mas quando este espaço estreita-se, não depende de um para estendê-lo, mas de dois.
Eu não sabia que doía tanto, uns quadros não pendurados… Geralmente não doem, mas há momentos em que pulam à frente de todas outras coisas, e se fazem prioritários. Seja por causa do vinho, seja mesmo a saudade, ou a ocasião, seja tudo junto… Os quadros de barco de minha mãe estão na minha memória. Embora quisesse eles – ao menos alguns deles – na minha parede.