10.

Dia chuvoso vai se mostrando este que mal começou, parecendo ser, entre nuvens, relâmpagos e trovoadas, o anúncio de algo que está por vir, uma mudança, tal qual quando Liúnas quis que lhe mudassem o nome, quando Ibiruengara se manifestou. Naquele dia fez-se tempo tão ruim quanto este, se não pior, e só choveu tão intensamente naquele dia e hoje, nunca mais. Por isso o povo humilde acredita que algo está por vir e reza, cada um esperando ser o benemérito da divina benevolência.

Padre Frido também conhece a história mas não é muito crente a ela. Teme sim as tempestades porque foi assim que Deus se vingou do homem, conforme conta, quando fez chover quarenta dias e quarenta noites sem parar, alagando tudo, o mundo todo sem um pedacinho de terra seca, só porque havia se arrependido de fazer o homem à Sua semelhança e ainda ter que olhá-lo todos os dias, observar seus atos e perceber que algo havia saído errado e não saber de onde provinha tanta maldade. Foi quando Deus abriu os abismos do céu e deixou que a água caísse. O que não se sabe direito é como Noé ficou sabendo que tanta água viria, já que existe duas histórias. Conta-se numa que era ele homem bom, a verdadeira imagem de Deus, e sendo assim, foi avisado pelo Próprio. Mas já outra diz que passado um ano do dilúvio, quando Deus ia caminhando pela Terra já seca, qual não foi sua surpresa ao ver uma família, viva, e mais adiante um casal de cavalos, um leãozinho ao lado do papai leão e da mamãe leoa, um casal de chimpanzés, um de capivaras, um de girafas, de hipopótamos, elefantes, gorilas, avestruzes, leopardos, alces, tamanduás, cangurus, tigres, cachorros, onças, orangotangos, emas, veados, ursos, linces, zebras, gatos, coelhos, e mais outro animal, e outro, e outro, todas as espécies correndo livremente, insetos, pássaros voando, tudo. Deus aproximou-se do homem e perguntou-lhe Homem, diga-me o teu nome, e Noé, igualmente espantado em ver outro homem vivo, respondeu Noé, e inicia-se um pequeno diálogo, Deus perguntou Como conseguiste escapar ao dilúvio, E Tu, como escapaste ao dilúvio, Eu não escapei, Eu o criei, Então és Deus, O próprio, Onde estiveste que não me ouviste, Estive ocupado com assuntos do novo mundo, agora responda, como escapaste ao dilúvio, Um anjo me avisou sete dias antes de começar a chuva, disse-me que o Senhor estava zangado e faria jorrar as águas como nunca havia jorrado, que era para eu me preparar com um barco e recolher todas as espécies de animais nele, em casais, mais minha família e aguardar pelo dilúvio, E como se chamava esse anjo, Lúcifer bem disse que eu Te encontraria e que Perguntarias seu nome…

O medo de padre Frido é que tenha chegado a hora de fazer nova limpeza no mundo, e que desta vez não venha nenhum anjo que traga o archote para iluminar sobre a tragédia, e mesmo que vier, que não seja Frido um dos escolhidos para participar da caravana da salvação, além do que, Frido nunca entendeu por que os animais e os insetos também deveriam ser exterminados se Deus Se decepcionou com o homem, e se por um motivo ou outro escolheu pela eliminação dos insetos e animais, por que também não amaldiçoou os peixes, que continuaram suas vidas, já que é na água que vivem.

Pensando assim é que Padre Frido sente uma angústia, ou sabe lá que nome se dá àquele nó no peito que parece apertar tanto que chega à garganta e faz brotar água dos olhos, sem mesmo a gente querer, e acaba pensando na vida, na sua, na vida e na morte, nas suas andanças e nas coisas que vem fazendo já há bom tempo, como se obter o perdão se não consegue se arrepender, tantas coisas que tem verdadeira vontade de fazer, como não ficar triste com essa intransigência e crueldade, embora ganhando uma vida eterna mais gratificante, o que será da terrena, se sabemos que esta existência logo acaba, que uma vida é muito pouco, não dá tempo pra nada, muito menos para se arrepender, e mesmo que outra vida vier, de nada lembraremos, do que fizemos e de quem deixamos, e quando menos se espera, a jornada se acaba, e não adianta gritar, feito louco, buscando um suspiro de vida, que ninguém ouvirá, e o coração aperta mais e mais, e as cataratas da alma não conseguem se conter e se desfazem num dilúvio próprio e particular, mais terrível até, mas mesmo assim, padre Frido aspira uma vida mais justa e menos sofrida, já que eterna, nos céus.
E pensando assim, Frido vira-se de lado na cama, olha para o teto imaginando o céu, as estrelas, e suspira, entregue a heresias.