5.

Outra pessoa de que falei fazer parte daquela minoria que não tem a vida daquele jeito simples e linear como maioria dos liunenses, é Pedro, o Tristão, que embora não conheça nenhuma Isolda, vive bem e agradece. Pedro Tristão, que dos primeiros anos de vida não tem muito para se acrescentar que possa vir a contribuir com a história que se desenrola, apenas que teve por mãe Jurema Tristão, por pai de coração, cria e nascimento, teve Gonçalves Tristão, que quando Jurema e Gonçalves foram se casar, padre Frido abençoou-os sem saber que Jurema já ia grávida, com Pedro no bucho, e por isso a bênção que era destinada para dois acabou tendo que ser dividida por três, e talvez seja por isso que Gonçalves tenha ido cedo, para deixar mais bênçãos ao filho que vinha. Por pai de coração, Pedro teve também Antônio Constante, mestre e conselheiro, que aos treze anos o iniciou na arte de fabricar cochos, e Pedro aos quinze viu Constante morrer, só é pena que não deu tempo de aprender a tocar cocho, mas deu tempo de Constante lhe confessar um segredo, muito importante para ele, Antônio Constante, nem tanto para Pedro Tristão, ainda, que se realizado justificaria sua vida, e Constante prometeu que ficaria lá do céu olhando por Pedro, iluminando-o, com seus olhos pequenos e azuis, e é só assim mesmo que se pode explicar o fato de não ter sentido Pedro Tristão a necessidade de arranjar outro mestre, que com apenas dois anos de aprendizado, quando se leva no mínimo cinco senão mais, já era capaz de fabricar seus próprios objetos e mais tarde seus próprios cochos, sem outro a lhe ensinar, que o certo seria, ao perder o mestre tão cedo, procurar outro, e não foi por falta de proposta, não foram poucos os que se ofereceram, uns apenas com a intenção de aliviar-lhe a dor da perda, outros por boa vontade da iniciação, mas algo não deixava Pedro Tristão aceitar, que de todos ele sentia já saber muito mais, embora não fizesse ainda o que eles faziam, mas já sabia mais, e recusava, acreditando nas últimas palavras de Antônio Constante, que foram Faça da sua vida a sua maior obra, que dela sempre poderá gozar, e depois de conquistá-la, faça da sua obra a sua vida, que ela lhe dará aquela pena que todos necessitam para viver, e embora sempre tenha adotado essas palavras, não foi pouco o tempo que ficou Pedro Tristão sem entender de que pena Antônio Constante falava, quebrando a cabeça na esperança de desvendar esse jogo de palavras, arrumar-lhes um sentido em sua cabeça ainda pobre de experiência e de vida, descobrir o sentido de frase tão simples que parece não dizer mas diz, que era Constante homem de muito saber e muito ensinar, Se pudesse eu ter esse dom, já teria iniciado outro nas artes do artesanato, mas quem sou eu, ainda mal saído do regaço da mãe, modo de dizer de Pedro Tristão, que mais de trinta anos já tem, mas comparado ao seu mestre, pouco sabia. E daí pra frente foi só trabalho.

Se vale a pena falar, falemos aqui, que mais tarde pode não caber, sobre Antônio Constante, um pouco ao menos, que importante personagem foi para a vida de Pedro Tristão, na sua formação, na sua concepção de homem. Era homem forte, Antônio Constante, bonito e mulherengo, no bom sentido, que de todas as mulheres que desposou muito bem cuidou, embora não levasse mais de três anos com cada uma, e não mais de um ano sozinho, e disso falava muito e abertamente, não se importando com o que diziam, que não conseguia segurar uma mulher por muito tempo, que mulher nenhuma o agüentava e coisa e tal, pois sabia que tudo não passava de mentira e inveja, pois cada uma das ex-mulheres de Antônio Constante, se perguntadas sobre o ex-marido, diriam em uníssono, Um bom homem e ótimo marido, pena que não me quis mais, e todos sabem disso, mas precisam falar de alguma coisa, que esse negócio de experimentar muitas mulheres não é comum, e tentando isso explicar, dizia Antônio Constante Não consigo me adaptar à uma mulher só, e para não cometer a bigamia, termino tudo, que o homem precisa mesmo dessa variedade de mulheres e o mais importante, precisa variar e intercalar a companhia com a solidão, diferente da mulher, que vive para achar o seu homem, já que geralmente não consegue viver só, e se vive, o faz sem aquela graça que lhe é natural, vive amarga e infeliz. Ouvindo essas histórias, que são histórias que o povo ainda conta nas rodas de cocho mesmo depois de ter morrido Antônio Constante, é que João Simão pensa Que homem sábio era esse Constante.