18.

O dia amanheceu cinzento hoje, e uma fina garoa anuncia que será um dia triste, um dia que marcará a vida do povo de Liúnas do Norte, e veremos que sim, para todos os liunenses, mas em especial para Pedro Tristão, João Simão e padre Frido, que embora não saibam, estão com as horas contadas, e mesmo que já soubessem, nada poderiam fazer para impedir que se realize o que já está escrito.

Pedro Tristão e João Simão foram falar com padre Frido, querendo aliviar-lhe o coração do medo que se apoderava dele. Entraram na sancristia e lá estava o padre, dando a impressão de estar lá desde a última vez que se encontraram, há dois dias. Padre, o senhor está bem, Filhos, por favor, preciso ficar só, preciso me preparar para a morte, preciso saber se vou para o céu ou para o inferno, Deixa disso, padre, nada daquilo que o senhor falou procede, tudo não passa de coisa da sua imaginação, já está tudo bem, amanhã é dia de missa, o senhor vai ver, tudo vai continuar normalmente, nossas vidas com a mesma dose de ajustamento de sempre, É padre, tudo vai dar certo, e quanto àquilo que o senhor nos contou, do seu passado, pode ficar sossegado que vai para o túmulo com a gente, não é João.

Mas nem mesmo Deus podia mudar a situação, não queria mais Ele consertar o que já estava encaminhado, já que distraíra-Se de Liúnas por tempo demais, ou Ele próprio teria encaminhado tudo isso, se não há tempo demais para Deus. Christian e Vicent ganham a praça, rumo à igreja. Por favor, meus filhos, me deixem sozinho, me deixem em paz, ou em tormento, nem eu mesmo sei, ou vocês também morrerão, mesmo sendo inocentes, Mas inocentes todos somos, padre, o senhor mesmo disse. Christian e Vicent chegam à igreja e vão até a sancristia. Dá-se um pequeno diálogo em alemão, mas vamos conhecê-lo em português mesmo, Ora vejam só, parece que Deus está do nosso lado, nos oferecendo o banquete completo, Christian, Por favor, se querem fazer alguma coisa, que façam logo, e façam à mim, deixem esses dois inocentes em paz, Vejo que seu coração amoleceu no decorrer dos anos, assim como seus miolos, Fritz. Nessa hora, Pedro e João, sem entender sequer uma palavra, perguntam a padre Frido O que é eles estão falando, padre, por que as armas.

Pedro Tristão e João Simão não tiveram sua curiosidade saciada, tampouco padre Frido teria tempo de responder, já que uma densa e envolvente cortina preta vinda não se sabe de onde, se pôs diante dos olhos de Fritz Döier, ou padre Frido, que é o nome que lhe abrigou a vida que mais valeu a pena, de Pedro Tristão, com aquela vontade de tocar um cocho, e de João Simão, com a angústia de não ter fabricado um, espalhando um leve aroma de rosas e velas. Sem ser capaz de questionar as vontades divinas ou de entender sua lógica, de saber se o que acontece é realmente o melhor, se constatarmos que tudo nessa nossa vida não passa de vaidades, poderíamos perguntar Para que ela serve então, que vaidades são condenáveis e sem elas não há vida.