Sebastião Mendes – “Cultura Matogrossense”

17.

Conforme combinado, João vai até a casa de Pedro a fim de tratar dos assuntos que haviam feito acordo, que era João ensinar Pedro a tocar cocho e Pedro ensinar João a fabricar cochos. Pedro e João eram pura euforia. Ambos queriam logo aprender mas também não viam a hora de ensinar, então as sessões intercalavam-se, ora Pedro ensinava, ora João.

Primeiro, João, deve-se escolher a árvore, na beira do rio, com todo carinho, que pode ser a figueira, a orumbela, o sarã, o sarã-de-leite, a urucurana, a timbuva ou o mulungu, e vê-se se está boa para o corte fazendo um talho na raiz, se ela estiver molhada, tem-se a árvore certa. Depois, é preciso ser colocada no forno, para ressecar, mas se quiser um cocho com uma sonoridade perfeita como o meu, deve deixar que a madeira seque sozinha, uns cinco anos mais ou menos, conforme contou Antônio Constante no seu sonho, mas não é o caso agora, que estamos a aprender e a ensinar. Corta-se a madeira nesse sentido, o das fibras, e deve-se começar a cavar a madeira do meio para fora, assim, respeitando a forma do cocho, e quando terminado, vem o tampo, que deve ser feito de Urumbeva, se possível, que é madeira esponjosa, e lamina-se a madeira assim, com um canivete, e depois lixa-se assim, aí faz-se a boca, e colamos as partes entre si, primeiro o tampo, passando a ponta da faca, recolhendo-se o sumo, assim, tirando-se o excesso de cola dos lados, e depois enfaixa-se o cocho com barbante, assim. Agora vem o cavalete, as pestanas, a palheta, as cravelhas, que devem ser esculpidos assim. Depois, pode-se fazer aplicações de cedro sobre o cocho.

Pega-se o cocho desse jeito, Pedro, que pode ser ponteado ou rasqueado, assim, e bate-se nas cordas assim, com a ponta das unhas, e as casas, aqui, é que vão dar os tons das notas, e dependendo do jeito que você prender as cordas, terá um acorde, esse é o de dó menor, esse de dó maior, são maiores e menores os acordes por causa das distâncias das notas, é fácil, como uma conta de somar, um tom, meio tom, então é menor, um tom, um tom, então é maior, e isso vale para todos os acordes, este é o de ré maior, e este o de ré menor, este o de mi maior, de mi menor, fá maior, fá menor, sol maior, menor, lá maior, menor, si maior, menor, e cada nota e cada acorde tem seu sustenido e seu bemol, que esses nomes aprendi num livro que minha mãe me deixou, ainda bem que aprendi a ler, mas o que são esses sustenidos e bemois, são aquele meio tom para cima e meio tom para baixo, assim, e vale para todas as notas e para todos os acordes, que cada um vai ter sua escala, que são as notas que combinam, que é a mesma conta que já falei, tom, tom, meio tom, tom, tom, meio tom, para maiores e tom, meio tom, tom, tom, meio tom, tom, tom para menores, e a outra mão, no rasqueado, pega todas as cordas de uma vez, assim, e no ponteado, dá uma pinçada na corda, ou em duas, assim, com a ponta dos dedos ou com as unhas.

Passaram-se as horas, Pedro e João entretidos em seus aprenderes e ensinares, enquanto Christian, Vicent e Marthe conversavam novidades, ficando todos a par de tudo. A esta altura, todos já saibam demais.

Por mais que se queira, por mais que se clame, por mais que se ore, por mais atribulado que seja nosso rogar, não estamos salvos dos lábios mentirosos e da língua enganadora, e a palavra que pode parecer benigna, num instante torna-se maligna, o caminho que parecia reto passa a vergar, a luz que parecia brilhar passa a embaciar, e não adianta sabermos que o honesto e justo prosperará e o perverso e desonesto não prosperará, pois ambos colherão frutos de sua própria plantação, que ainda assim, haveremos de cruzar destes pelo caminho, querendo nos mal-conduzir ou até mesmo nos frear, e talvez existam estes por não saberem das escritas divinas, mas a maioria sabe, e faz com pleno conhecimento da causa, que quando se dá para o mal não há doutrina ou ensinamento que o contrário faça, por mais que se queira, por mais que se clame, por mais que se ore.