José Antonio da Silva, Sem título, 1966. Óleo sobre tela.
“Ninguém se perde no caminho da volta. Só se perde no caminho de ida.
Porque só quem vai leva consigo as saudades da terra que deixa.
E essas saudades são estrelas. E as estrelas guiam os homens.”

José Américo de Almeida in A Bagaceira, 1928

no céu de puro graveto,
cobra voa e caça vento
chuva de enxofre chove
          secando mato sedento
          peixe de zinco e nobre.

abunda riacho sem água,
que desce seco a serra,
cantando de ré, a peste
          uivando pra lua da terra,
          que nasce e morre de pé.

sob a luz do luar de couro,
o bode carrega ouro de tolo
e o cavalo sem ferraduras
          pasta a duras penas alheias
          a volta vadia da vida lheia.

mula sem cabeça nem juíza
jaziga abandonada sob sol
pisa trovã, rebenta chã
          já cansada de tanta cabeçada
          rachada saca-bucha da cangaça.

volto então pro meu sertão,
montado num burro sem asa,
com meu chapéu de luz e trovão,
          no bolso, plantei um sol novinho em brasa,
          caudaloso e lento rio que me leva pra casa.